Essa é a mistura de Brasília com o Egito, na arquitetura e no plano urbanístico
O plano urbanístico de Brasília foi desenhado por Lucio Costa, com a área central e suas superquadras das Asas Sul e Norte ocupadas por prédios com assinatura de Oscar Niemeyer. Essa combinação fez da nova capital brasileira, construída em quatro anos e inaugurada em 21 de abril de 1960, o principal símbolo da arquitetura modernista no mundo e a única cidade do século 20 a ser declarada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco.
O projeto de Lucio Costa é simples. No papel, a cruz arqueada parece um avião. Alguns vêem um pássaro. O certo é que o urbanista desejava representação da liberdade de um país que vivia um tempo de sonhos, que almejava voos altos, com a modernidade, como propagava o então presidente Juscelino Kubitschek. Tudo setorizado, muito bem organizado, com imensas áreas verdes, permitindo o convívio dos moradores de todas as classes sociais.
No “corpo” do avião imaginário ficaria o eixo monumental, onde se concentrariam os prédios públicos dos Três Poderes — e as principais obras de Niemeyer. Já nas duas asas, a cidade também estaria dividida por usos, com setores residencial, comercial, bancário, hoteleiro, cultural, de diversões, hospitalar, de clubes esportivos, de embaixadas, de indústrias gráficas, oficiais e até hípico.
Lucio Costa nunca escondeu que seguia a Carta de Atenas, publicada em 1933 pelo suíço Le Corbusier. O documento é uma dos grandes marcos do urbanismo modernista. Nele, Le Corbusier defende os princípios do zoneamento de atividades, de grandes blocos edificados afastados e ensolarados, cruzados por grandes vias. Tudo isso é o que tem na Brasília planejada, no Plano Piloto, onde mora cerca de 10% dos 3 milhões habitantes do Distrito Federal.
Mas, fora dos registros históricos comprovados, a construção de Brasília é atribuída a outras crenças. Católicos relacionam-se ao sonho profético do santo italiano Dom Bosco, que em 1883 teria visualizado uma terra santa no meio do Brasil. A despeito de estudos feitos ao longo de 200 anos por pesquisadores designados pelo governo, há quem diga que JK escolheu o lugar da construção da nova capital a partir das visões do médium Chico Xavier.
Santuário Dom Bosco: Espaço religioso conhecido pelos portentosos vitrais, também é ponto de peregrinações de fiéis e turistas. Igreja fica na 702 Sul e leva o nome do padroeiro de Brasília
E tem gente que vai muito além. Para um grupo, Juscelino Kubitschek era a reencarnação moderna do faraó egípcio Akhenaton (ou Amenhotep IV), que viveu há 3.600 anos. Ele construiu Akhetaton — nomeada em sua homenagem, claro — cidade que, assim como Brasília, foi pensada para ser o centro político do Egito Antigo. Muitos apontam semelhanças entre a arquitetura e o projeto urbanístico de Brasília e Akhetaton.
JK esteve no Egito, visitou Akhetaton e relatou seu fascínio com a cidade e o faraó
E para alimentar a teoria, os entusiastas ainda recorrem ao fato de que JK, quando era estudante de medicina, fez uma viagem pelo Mediterrâneo e esteve no Egito. Ele visitou Tell el-Amarna, o sítio arqueológico de Akhetaton, que foi extinto após a morte do seu criador, tendo suas edificações desmontadas em partes e o material usado em outras obras do Egito Antigo.
Juscelino relatou a viagem em seu livro “Meu Caminho Para Brasília”, em que não esconde o fascínio com a história do faraó Akhenaton e a cidade que ele mandou construir.
“Levado pela admiração que tinha por esse autocrata visionário, Akhenaton, cuja existência quase lendária eu me surpreendera através das minhas leituras em Diamantina, aproveitei minha estada no Egito para fazer uma excursão até o local, onde existira Tell El-Amarna/Akhetaton. […] Vi os alicerces da que havia sido a capital do Médio Império do Egito. A cidade media oito quilômetros de comprimento por dois de largura. À margem leste do Nilo, jardins verdejantes haviam sido plantados e, atrás deles, subindo a encosta da rocha, erguera-se o palácio do Faraó, ladeado pelo grande templo”, escreveu JK.
Grande quantidade de pirâmides chama a atenção na capital brasileira
Os paralelos entre Brasília e Akhetaton estão em livros e são temas de pesquisas universitárias. Mas nem todos que relacionam as construções das duas cidades acreditam que JK era uma reencarnação do faraó egípcio.
Porém, há quem acredite que a capital do Egito Antigo inspirou JK, Lucio Costa e Oscar Niemeyer. A convicção existe mesmo com as negativas dos projetistas da nova capital brasileira e das instituições que os representam, assim como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e outras entidades, que consideram ser apenas mais uma lenda sobre a capital federal.
Mas, para sustentar suas teses, pesquisadores, numerólogos e outros entusiastas da relação de Brasília com Akhetaton ressaltam a grande quantidade de pirâmides e formas triangulares encontradas na capital brasileira como evidência da influência da arquitetura egípcia. Um dos exemplos é a Ermida Dom Bosco, a primeira obra de alvenaria a ser erguida em Brasília.
Projetada por Oscar Niemeyer e localizada às margens do Lago Paranoá, a pequena capela em forma piramidal foi construída em 1957 como uma homenagem ao santo — mais tarde feito padroeiro de Brasília ao lado de Nossa Senhora Aparecida — e como um pedido para que ele abençoasse a nova cidade.
Outra construção sempre citada quando se fala da mistura de Brasília com Akhetaton é o Teatro Nacional. Principal casa de espetáculos e maior construção piramidal da capital, ele é comparado à Grande Pirâmide de Kéops. Também há o Templo da Boa Vontade, uma pirâmide com sete faces e o maior cristal puro do Brasil – 40 cm de altura e 21kg – no topo.
Para os que creem na reencarnação do faraó Akhenaton no mineiro Juscelino Kubitschek, o Memorial JK, museu dedicado ao ex-presidente e onde está o corpo dele, desenhado por Niemeyer e construído no meio do Eixo Monumental, também lembra uma pirâmide, especialmente quando visto de cima.
A tese é a de que essa semelhança evocaria a ideia de um monumento duradouro e monumental, semelhante às estruturas antigas do Egito, como as pirâmides de Gizé. Mas não há registro algum de que Juscelino tenha encomendado tal obra.
Pesquisadores apontam outras semelhanças entre Brasília e Akhetaton
No livro “Brasília secreta — Enigma do Antigo Egito” (Editora Vestcon), lançado em 2009, a egiptóloga Iara Kern e o professor Ernani Figueira Pimentel chamam a atenção para as várias semelhanças entre a capital do Egito Antigo e do Brasil moderno, que extrapolam os planos urbanístico e arquitetônico.
Entre elas, o fato de duas terem sido erguidas em quatro anos. Ainda, a criação do primeiro lago artificial do mundo em Akhetaton, o Lago Moeris. Brasília tem o Paranoá. Mais: a planta da cidade egípcia tinha formato de pássaro, em referência ao Íbis, objeto de veneração religiosa no país.
Iara e Ernani comparam templos religiosos de Akhetaton com a Catedral de Brasília. Contam que o criador da capital egípcia, crente no Deus Sol como deus único, mandou construir o templo religioso mais importante da sua cidade aberto aos raios solares. É fato que o faraó Akhenaton deseja fazer uma profunda renovação política e espiritual no Egito e introduzir o monoteísmo em uma sociedade politeísta. E sua cidade deveria representar isso.
Já sobre a Brasília levantada nos anos de JK na presidência, a sua Catedral, uma das obras-primas de Niemeyer, foi construída sob o solo, com entrada por um túnel escuro, mas com teto todo em vidro, que recebe iluminação natural intensa. Os autores de “Brasília secreta — Enigma do Antigo Egito” ainda relacionam as 12 esculturas dos apóstolos na entrada da Catedral de Brasília aos antigos deuses egípcios, que eram representados em grandes esculturas nas entradas das construções religiosas.
Por outro lado, Niemeyer nunca citou Akhenaton ou o Egito ao falar sobre suas obras. Também nunca esteve no país africano. Sempre disse que sua arquitetura foi fortemente influenciada por Le Corbusier. Também não há nenhuma referência ao Egito no relatório de criação do Plano Piloto escrito por Lucio Costa, projeto que, como tantos outros, foi submetido a um concurso público para escolher aquele que seria usado na construção de Brasília.
Confira abaixo elementos que, segundo pesquisadores e místicos, ligam Brasília a Akhetaton:
Capital administrativa: Brasília e Akhetaton foram estrategicamente construídas para serem o centro político de seus países.
No centro do território: Com Brasília, a capital saiu do litoral para o interior. Com Akhetaton, a capital também foi para área mais central, substituindo Tebas.
Modernidade: As duas cidades foram projetadas como símbolos de transformação e renovação, desafiando as convenções estabelecidas de suas épocas.
Formato de pássaro: Ambas têm formato de um pássaro, apontando para o leste, cujas asas são as principais divisões internas do centro urbano.
Avenidas largas: As duas cidades foram projetadas com avenidas largas e espaços abertos, refletindo a ideia de modernidade e grandiosidade.
Cidades setorizadas: Brasília e Akhetaton foram divididas em setores distintos para diferentes fins, como administração, residência e lazer.
Localização dos templos: Os templos religiosos e as sedes administrativas seriam intencionalmente distantes dos centros residenciais das capitais.
Tempo de construção: Brasília e Akhetaton foram construídas em quatro anos e ambas criaram lagos artificiais para amenizar o clima.
Pirâmides: Assim como no Egito Antigo, é notória a quantidade de pirâmides em Brasília, como a Ermida Dom Bosco, o Teatro Nacional e o Templo da LBV.
Morte dos construtores: Tanto Akhenaton quanto Juscelino morreram 16 anos depois da inauguração das capitais do Egito Antigo e do Brasil moderno.