Política

A dimensão política da arquitetura: ativismo e desenho

A inércia da política e da governança em um momento no qual grandes mudanças sociais estão ocorrendo em um ritmo cada vez mais rápido – sem falar na insatisfação com o processo de tomada de decisão – abre espaço para ações de baixo para cima, ativismo e esforços ousados. Diante de tantos exemplos de ativismo social, os arquitetos têm ferramentas para construir suas próprias posições? A arquitetura tem o poder de alterar o status quo?

Há um ano e meio, Greta Thunberg discursou no Fórum Econômico Mundial em Davos exortando os líderes mundiais a agirem contra a mudança climática. Sua campanha ganhou atenção internacional e milhares de pessoas aderiram a ela, pressionando os responsáveis a agirem sobre a crise das mudanças climáticas. A ação não conseguiu influenciar a política climática na medida esperada, mas o que importa é que colocou as mudanças climáticas nas manchetes, gerou debates e inspirou um grande número de pessoas a estarem mais conscientes com meio ambiente. Os arquitetos podem usar suas diferentes habilidades para impulsionar a mudança de maneiras semelhantes?

Toda arquitetura tem uma dimensão política, no sentido de que expressa um conjunto de valores. O objeto arquitetônico se comporta politicamente, por meio das situações e atividades que incentiva e daquelas que proíbe. A arquitetura tem grande potencial para abordar questões complexas e iniciar um debate, propor cenários, expressar soluções para problemas urgentes. Dado o importante papel da profissão na formação do ambiente construído e da vida urbana, alguns arquitetos redobram seus esforços e não apenas defendem a mudança, mas estão ativamente envolvidos na promoção do progresso social por meio do ativismo.

Não é frequente os arquitetos se envolverem em debates políticos ou defender publicamente uma opção política específica. No entanto, Rem Koolhaas não tem vergonha de expressar ousadamente sua opinião. Na semana das eleições europeias de 2019, juntamente com o arquiteto Stephan Petermann, lançou uma curta-metragem que explica o custo real da UE para os seus cidadãos, ao mesmo tempo que descreve os benefícios incomparáveis. O vídeo compara o custo de uma adesão à UE por cidadão ao de uma assinatura da Netflix e segue listando os diversos projetos que a UE está financiando. O objetivo do filme era aumentar a participação eleitoral, e Koolhaas motivou sua ação destacando a falta de informações concisas e compreensíveis apresentadas de uma forma que atraísse um grande público. O interesse de Koolhaas com a UE vai mais longe, concebendo anteriormente uma proposta para a bandeira da UE, na forma de um código de barras contendo todas as outras bandeiras combinadas.

A principal função da arquitetura é fornecer abrigo. Não é um direito humano universal de fato; no entanto, a provisão de refúgio está inserida na estrutura do discurso democrático; portanto, torna-se um direito político. Os arquitetos há muito tempo estão envolvidos na criação de respostas apropriadas para moradias de emergência ou arquitetura participativa. Algumas dessas ações são gestos de crítica, projetos de guerrilha. No limite da legalidade, o projeto A-KAMP47 de Stéphane Malka, com sede em Paris, fala sobre a incapacidade dos arquitetos e da administração local em lidar com o problema dos sem-teto. O projeto consiste em várias barracas armadas em um corredor industrial em Marselha, França. Estas são fixadas verticalmente em uma treliça no longo muro de concreto que é cercado por um trilho de trem. Na descrição do projeto, o arquiteto destaca a necessidade de direcionar nossos esforços, como sociedade, para o empoderamento dos menos privilegiados. O que diferencia o projeto entre os que atendem ao mesmo propósito é justamente a ousadia do arquiteto em ir além da proposta e da prototipagem, para atuar sobre sua ideia na esfera pública, gerando consciência e estimulando a conversa.

O espaço urbano é o principal campo de atuação da política e do poder público; portanto, é o foco principal do ativismo na arquitetura, com ações geralmente descritas como urbanismo tático. O Park (ing) Day é agora um evento global que envolve temporariamente a transformação de vagas em miniparques, que começou como um experimento solitário de um grupo de urbanistas chamado Rebar. A sua primeira intervenção urbana em San Fransicso foi simplesmente alugar uma vaga de estacionamento e mobiliá-la com grama, um vaso com árvore e um banco. O projeto ganhou tanta atenção que eles o transformaram em open-source e mais e mais instalações Par (king) apareceram. A intervenção em San Fransico ajudou a criar uma mudança definitiva, já que várias cidades implementaram instalações permanentes no estilo Park (ing), comumente conhecidas como parklets. Isso mostra que pequenas iniciativas podem impactar a política urbana e inspirar um caminho alternativo no nível de tomada de decisão.

O evento do Park (ing) Day ganhou grande impulso porque, nas cidades ao redor do mundo, as pessoas estão lutando para reconquistar o espaço público e acabar com a hegemonia do automóvel. Na mesma linha, Fine Young Urbanists projetou a instalação Miergi!. Um trecho de uma rua da cidade de Riga é pintado de azul e transformado em um terraço ao ar livre para um café local, duplicado por uma ciclovia, criando um espaço propício à vibrante vida urbana. Com a atual crise de saúde, as intervenções arquitetônicas em espaços públicos ganharam destaque, e desta vez as autoridades não resistiram às apropriações, mas abraçaram as ideias. Por exemplo, o SHoP Architects projetou um kit de peças para “parklets” que as empresas podem implantar na rua para que os funcionários façam suas refeições ao ar livre durante a pandemia.

A perspectiva de mudança aumenta à medida que esses episódios locais, intervenções temporárias de pequena escala são adicionados e disseminados por meio de mídias sociais e blogs de arquitetura, ganhando alcance global. Todos eles demonstram que a arquitetura pode ser uma arma política, já que o objeto construído é uma prova dos valores da sociedade em geral, fala de quem somos como coletivo, de quem nos esforçamos para ser e do mundo que desejamos. É por isso que os arquitetos têm a grande responsabilidade de influenciar a narrativa atual em direção a melhores cenários, uma vez que a profissão tem as ferramentas para provocar debates, criticar o status quo, visualizar e apresentar alternativas ao público.

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo